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Termo de Referência para Projetos AEC: ajuste sua estratégia de contratação

Atualizado: 23 de jul. de 2024

Toda contratação de produto ou serviço tem um Termo de Referência (TR), ainda que as condições de contratação sejam implícitas na cultura do mercado e sua aceitação seja tácita. Não duvide, um “ok” enviado num aplicativo de mensagem pode ser a assinatura em um contrato de fornecimento cujas regras estão, em tese, ajustadas pelo costume.


Uma relação contratual bem-sucedida se inicia com um contrato bem equilibrado e balizado. O contrato faz referência ao TR que serviu de base para a elaboração das propostas dos proponentes. Um bom TR, inclusive, permite desenvolver contratos mais simples, uma vez que as condições estão pré-estabelecidas de forma clara no TR.



A contratação dos serviços de desenvolvimento de Projetos de Arquitetura, Engenharia e Construção (Projeto AEC) possui suas peculiaridades. Primeiramente porque o Projeto AEC não é um fim em si mesmo. Ele é um elemento intermediário no processo de implantação de um empreendimento de construção civil, que, por sua vez, é um elemento no processo de criação de um novo negócio, uma nova operação (comercial, industrial, pública etc.).


O caso de residências tem sua especificidade, mas podemos pensar que residir num espaço que tenha as condições almejadas pela família é o negócio em pauta. E lembremos que uma família tem orçamento limitado, um plano estratégico de crescimento de receitas (os rendimentos de cada membro da família) e pode se reposicionar com o tempo (filhos se vão, pais vêm, hobbies mudam etc.). É possível a analogia com os negócios, apesar de bem particular.


Como estabelecer as condições de contratação do Projeto AEC para garantir sua integração neste processo global de implantação e, sobretudo, garantir qualidade em todos os aspectos pertinentes a este trabalho?


Lembremos que o Projeto AEC define praticamente tudo sobre o edifício e, por isso, talvez seja o elemento mais impactante na qualidade da operação que virá após a implantação. O processo de implantação se encerra, mas o produto (o edifício) permanece por longos anos, décadas e até séculos.


É lamentável constatar que o mercado não percebe, ou não dá o devido valor ao Projeto AEC. Claro, a qualidade serviço recebido é proporcional ao investimento que se opta por fazer. Em geral, recebemos algo proporcional ao valor que pagamos. Não há segredo ou novidade quanto a isso, vale para qualquer coisa. Se não valorizamos o Projetos AEC, a tendência é receber um Projeto AEC de baixo valor agregado.


Acredito que o mercado está tão acostumado com soluções medianas que, sequer tem consciência do que é possível fazer em termos de melhoria na produção dos Projetos AEC. Como não se faz o mesmo prédio duas vezes, avaliar comparativamente essa qualificação é difícil, pois só há referências de outros contextos. Se temos apenas uma solução, ela parece sempre ser boa. Mas, ”nada é mais perigoso do que uma ideia, se você só tem uma” (frase atribuída a Émile-Auguste Chartier). Verificar o produto pronto é tardio, pois não há como retroceder ou refazer. A garantia da qualidade deve ser pensada na intervenção sobre o processo.


Vamos comentar alguns pontos cruciais para o TR que balizam as contratações de Projetos AEC. Mas já alertamos para o fato de que não abordaremos todos os pontos necessários. Focaremos alguns mais relativos à caracterização do escopo. Oportunamente poderemos abordar os vários outros pontos.

 

Ponto 1: o objetivo do trabalho compõe um objetivo mais geral



Como dito, o Projeto AEC é parte de um processo bem mais amplo: a implantação do empreendimento. No fundo, é um passo inicial para a própria operação do negócio que usará o edifício. É importante deixar claro no TR que o Projeto AEC não é um fim em si mesmo, para que o projetista contratado não possa negligenciar esta inserção do desenvolvimento do Projeto AEC no amplo contexto do empreendimento, com foco na operação do negócio. O termo pode parecer duro, mas pensar no edifício sem pensar no empreendimento/negócio é, de fato e como rigor devido, negligência.


Iniciar a implantação de um empreendimento e não conseguir chegar a um fim que atenda às expectativas de operação é um verdadeiro pesadelo para o empreendedor. Basta olhar a quantidade de obras inacabadas existentes por aí para constatar essa realidade. Muitas vezes a intenção do projetista de realizar os sonhos do empreendedor, compete com a necessidade do empreendedor de fazer algo factível dentro das suas condições. Entender o projeto como meio é parte do escopo necessário para garantir o foco no objetivo correto.


Entendido o objetivo geral do empreendimento, o objetivo específico da contratação do Projeto AEC fica simples: atender ao processo de implantação no que for relacionado à definição do produto (edifício) e muitas vezes do próprio processo produtivo (metodologia de execução).


Repare que entregar os documentos que compõem o produto do processo de desenvolvimento é necessário, mas não é suficiente. É preciso ir além e atender as necessidades do processo de implantação como um todo. Isso impacta, por exemplo a própria forma de entregar os resultados do Projeto AEC. E, de fato, não se entrega o Projeto AEC da mesma forma em qualquer caso, simplesmente porque os contextos de implantação são diferentes e demandam ajustes neste procedimento caso a caso.


Mais que meramente entregar documentos, é preciso integrar o projetista ao processo geral de implantação dos empreendimentos.

Isso nos leva ao próximo ponto.

 

Ponto 2: o escopo é um processo e não um produto



Há um erro bastante comum nas contratações que é focar nas entregas físicas a serem feitas, ou seja, na documentação que compõe o Projeto AEC. O Projeto AEC claramente tem um papel fundamental no processo de implantação, mas nem por isso deixamos de nos distrair do que importa quando focamos demais na documentação. A presença e proatividade no apoio ao processo de implantação pode ser tão ou mais importante quanto a documentação.


Repare que há casos, mesmo que não sejam recomendados, em que o a obra é feita com pouquíssima documentação técnica, mas não há como a obra ser feita sem que alguém assuma o papel de projetista (mesmo que seja o próprio construtor). Ambos os casos demonstram que a participação do projetista é mais fundamental que a documentação, embora a documentação seja a principal forma de manifestação do projetista.


O projetista é um consultor, antes de ser um entregador de produtos (documentos). O Projeto AEC é como se fosse o relatório final da consultoria. Mas a essência da consultoria está no apoio à tomada de decisões sobre o produto e sua implantação.


O projetista pode tomar algumas decisões especializadas em nome do empreendedor (não se pode perder o empreendimento de vista). Essas decisões formatam as soluções técnico especializadas que serão entregues para o negócio do empreendedor. Veja que as documentações retratam estas decisões, que são o que agrega valor ao processo.


Assim, o escopo da contratação dos Projetos AEC é o processo de tomada de decisões sobre a soluções técnicas multidisciplinares e não meramente a entrega dos produtos (documentos) que as retratam. Uma decisão mal tomada também permite a entrega dos documentos. Papel aceita tudo, já diz o ditado, e arquivos eletrônicos também.


Por isso, quando usamos a expressão “Projeto AEC”, é implícito nos referirmos ao Processo de Desenvolvimento do Projeto AEC (PDP). Usar a mesma expressão “Projeto AEC” para referenciar tanto esse processo (o PDP), quando o produto que ele entrega, os documentos, é um costume tão consolidado no mercado que tem sido, talvez, a principal causa da confusão entre os aspectos de processo e produto do Projeto AEC.


Em suma: o escopo da contratação do Projeto AEC é um processo de trabalho, sobretudo de tomada de decisões, e não meramente o produto a ser entregue a partir dele.


Vale lembrar, para reforço, que a qualidade de um produto vem basicamente de dois componentes: a matéria prima usada na produção e o próprio processo de produção (que transforma a matéria prima). No Projeto AEC, a matéria prima é informação, que muitas vezes é obtida pelo próprio projetista, o produtor. Um processo ruim pode gerar produtos ruins, mesmo com matéria prima boa. Num processo em que a matéria prima é obtida no próprio processo, só resta focar na qualificação do processo para garantir a qualidade do produto. Esta é a necessidade do Projeto AEC em termos de garantia da qualidade do resultado.

 

Ponto 3: as decisões são as entregas de valor



Nos referimos normalmente aos produtos entregáveis, mas há produtos no processo que não são entregáveis, pelo menos não diretamente ou fisicamente.

Por exemplo, no PDP, para chegar a uma decisão em alguma especialidade, pode ser necessário discutir com diversas outras algumas questões de relacionamentos entre elas. No produto entregável, os documentos, as decisões finais estarão retratadas. Mas a própria decisão, tanto a final quanto qualquer outra que tenha sido ventilada no processo, é uma entrega intermediária. O processo deve garantir esta integração entre as especialidades para ser eficaz na tomada de decisões. Raramente uma decisão tomada isoladamente é tão boa quanto a tomada colaborativamente.


Listar os documentos a serem entregues como Projeto AEC é comum e necessário. Mas, como tornar a tomada de decisão algo entregável? Sem isso, o controle do processo é difícil e, consequentemente, a qualidade só poderá ser verificada à frente, nos documentos. Se for constatada alguma não conformidade na decisão através dos documentos é preciso retornar o processo, ou seja, retrabalho. As decisões precisam ser verificadas e avaliadas antes do trabalho de registrá-las em documentos.


 A expressão “não conformidade” é bem adequada, pois nos referimos ao controle da qualidade do produto e o que defendemos é que seja monitorada a qualidade do processo (o PDP). Ambas estão sempre muito entrelaçadas. As decisões são a saída imediata do subprocesso de criação de soluções e entradas para o subprocesso de geração dos documentos. Garantir pontos de controle no processo previne falhas nos produtos e retrabalhos no processo.


É possível e adequado incluir como “entregáveis” eventos críticos específicos como reuniões, visitas técnicas, apresentações etc. São pontos de controle do processo, com ocorrência anterior às entregas dos documentos, que impactam diretamente o seu conteúdo.


Além disso, como as soluções técnicas serão criadas no processo, qualquer listagem prévia de documentos está sujeita a alterações. Não há como focar apenas nessas entregas, pois elas podem se mostrar insuficientes ou exageradas, conforme os tipos de soluções criadas. Mas é comum que a lista de documentos seja mesmo flexível, afinal, eles devem ser necessidades do processo de comunicação das decisões tomadas e não um parâmetro definidor fundamental dele.

 

Ponto 4: metodologia e procedimentos



Concluindo estes comentários sobre o escopo do PDP, é impossível deixar de pensar que uma metodologia de trabalho deve ser definida na contratação do Projeto AEC. Esta metodologia estabelece um processo de trabalho em que os eventos que definem o conteúdo dos documentos, bem como os que os ajustam gradativamente, estão explicitamente previstos, para se tornarem obrigações contratuais dos projetistas.


Atualmente, com a chegada do BIM, estes eventos foram alçados ao seu lugar de destaque. Mas sempre foram necessários, ou demandados. Não se trata de uma novidade de processo, mas de uma estruturação dada a ele de forma geral e integrada, quase que imposta aos profissionais pelo novo paradigma de trabalho (o BIM). Sem um bom processo não se obtém o potencial benefício do BIM, mas esta afirmação valeria para qualquer plataforma tecnológica.


A integração entre todas as especialidades é largamente cobrada atualmente e há diversos recursos tecnológicos disponíveis para apoiá-la. Mas ela sempre foi demandada e ocorria à medida que informações (matéria prima) eram trocadas entre os diversos atores do PDP, num ritmo ajustado a cada contexto e cada paradigma tecnológico.


O que ocorre atualmente é que o ritmo da integração é mais intenso (tudo se acelerou) e isso força uma necessidade de relação mais orgânica entre projetistas e troca de informações em tempo mais real. Ou seja, deve-se formalizar uma metodologia que estruture e formalize o trabalho colaborativo cotidiano, integrando processualmente todas as especialidades.


Assim, nestes comentários, concluímos sobre a necessidade de consolidar no TR orientações para uma metodologia de trabalho que foque o Processo de Desenvolvimento do Projeto AEC, de modo a oportunizar, como entregas verificáveis, eventos nos quais as decisões de projeto são tomadas com trocas de informações mais sistêmicas, integradas e com trabalho colaborativo no ciclo de implantação de um empreendimento, com foco em favorecer o negócio que operará no edifício.


Isso é bem diferente e bem mais abrangente do que contratar vários profissionais ou empresas para entregarem conjuntos de documentos. Há evidentemente um investimento e um prazo a ser considerado na promoção deste processo mais adequado de trabalho. Mas os ganhos provenientes dele compensam na mesma proporção do valor agregado pelo empreendimento ao negócio para o qual foi concebido. Não investir num bom processo de projeto é, portanto, em última instância, negligenciar a agregação de valor à operação do negócio.

Mas, claro, a decisão final é sempre responsabilidade do maior prejudicado ou beneficiado por ela, o empreendedor.

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